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19 junho 2014

POLÊMICA- Nus que aqui estamos por vós esperamo

O coletivo Além quer levar às famílias a questão do pelo, dos transgêneros e das relações afetivas de uma forma leve. Mesmo utilizando a nudez em seus ensaios fotográficos, acreditam que tudo é retratado de forma dessexualizada.

Dez jovens bamboleiam nus no terraço de um prédio ocupado no centro de São Paulo, o Ouvidor 63. Quem passa pela rua se surpreende. Algumas pessoas param nas janelas dos arredores para admirar, fotografar ou até gritar algumas ofensas. Mas os bambolês não param, e toda a cena vira um ensaio fotográfico do coletivo político-poético Além.
“O bambolê, a dança, a nudez, tudo isso

faz parte de um processo de libertação do corpo”, esclarece Nubia Abe, de 27 anos. Ela, que é ex-publicitária, e Mateus Lima, também de 27 anos e ex-fonoaudiólogo, estão à frente do coletivo. Os dois se conheceram em um grupo da internet e logo se identificaram. Eles explicam a escolha do nome: “A realidade é uma, a gente quer ir além”. O primeiro projeto surgiu em setembro de 2013. Foi o Pelos Pelos, em que homens e mulheres que não se depilam são retratados.
A primeira série é a que gera mais repercussão ainda hoje. “É a questão mais absurda de todas. A mulher não pode ter escolha sobre o próprio corpo”, opina Nubia. Em referência às críticas de que o corpo feminino deve ser depilado, ela rebate: “A aprovação não tem que vir de outra pessoa, a gente que tem que escolher. E essa escolha de ser depilada ou não está sempre condicionada à opinião do homem”.
Por exemplo, em uma matéria exibida pelo programa A Liga, da Band, o coletivo participa mostrando um pouco de como são feitos os ensaios. Em seguida, a repórter sai às ruas perguntando o que as pessoas acham de mulher que não se depila. “Floresta não é legal”, comenta um dos homens abordados. A reportagem gerou desconforto nos participantes. “O que saiu lá foi um discurso muito vazio, as coisas mais superficiais”, lamentou Nubia. Uma das fotografadas durante a gravação inclusive escreveu uma carta ao programa.

Apesar de ter grande sucesso na rede, o Pelos Pelos não é o único projeto visto com tabu. O vivência-ensaio de nudez, entitulada Nus que aqui estamos por vós esperamos, também busca romper com algumas visões conservadoras. “As imagens das fotografias de nudez que se vê por aí são todas muito dentro do padrão. Pegam uma mulher bonitinha com poses que valorizem suas curvas. Nunca tem um nu natural”, relata a fotógrafa. “A gente quer fotografar o corpo nu de forma natural. A roupa é uma coisa que a gente coloca, mas originalmente a gente é nu.”
Outra bandeira erguida pelos fotógrafos é o fim da transfobia. Portanto, uma das séries se chama Além do Gênero, em que pessoas que não se identificam com o gênero atribuído a elas ao nascer são vistas de forma descomplicada, sem tabus. “Escolhemos nos aliar à luta por mais respeito à diversidade”, esclarecem no site. “Aqui elas são vistas e ouvidas como qualquer outra pessoa que tem seu cotidiano e estabelece naturalmente sua relação com o mundo.”

A não monogamia e as relações homossexuais também são defendidas, e aparecem entre grávidas, famílias e amigos no projeto Além do Afeto. Agora, o coletivo se dedica a fotografar o sexo de forma naturalizada. A série, no entanto, ainda não está pronta para ser divulgada. Nubia explica que eles ainda estudam uma forma de retratar os atos sem heteronormatividade e machismo.
Sessões fotográficas
Não raro, as pessoas fotografadas são interpretadas como totalmente livres de olhares conservadores. “Essas pessoas estão em processo, algumas são mais livres dessas opressões”, contesta Nubia. Boa parte delas pertence ao ciclo social dos próprios fotógrafos, que são privilegiados por estarem em um meio mais libertário. “Vivemos em um grupo de amigos em que tudo é muito natural. Acho que maioria das minhas amigas que não se depila”, revela.

Entretanto, alguns retratados chegaram até o coletivo por iniciativa própria. Frequentemente, os fotógrafos são contatados através das redes sociais por pessoas que se identificam com a proposta do Além. Eles contam que até e-mail de Lisboa, capital do Portugal, já receberam com o pedido de um ensaio fotográfico.
Para que se sintam confortáveis nas fotografias, Nubia conta que existe um processo demorado. “Não é ‘faz aquela pose, agora faz essa’. A gente deixa tudo fluindo”. Mateus Lima ressalta que uma sessão pode levar uma tarde inteira para terminar. Tudo começa com um bate-papo sobre a naturalização da nudez. Para todos ficarem à vontade, os fotógrafos também ficam nus. “A pessoa está ali despida, tirando sua máscara, sua proteção. E a gente já está com uma câmera, que é algo bem invasivo”, justificam.

Outro fator que os levam a ficar nus durante o ensaio é porque querem viver aquilo que estão fotografando. “Nossa proposta é de viver junto, não ser um olhar externo. A gente quer estar dentro, bancar junto, dar a cara à tapa”, explicam. “Não adianta me esconder atrás de uma causa, seria um pouco hipócrita da minha parte”, argumenta Nubia.

Impacto social
Mateus e Nubia contam como, desde o início do projeto, eles mesmos se transformaram. “Cada vez me sinto respeitando e admirando mais e mais as diversidades das pessoas em suas singularidades. E, pelo amplo trabalho com a nudez na frente e atrás da câmera, cada vez me sinto mais à vontade com meu corpo e minhas questões relacionadas a isso”, resumiu o fotógrafo. Já a jovem exemplifica uma de suas mudanças: “Desde que começou o projeto dos pelos eu parei de me depilar”.
Seus fotografados também passam por amadurecimentos durante o contato com o Além. E os integrantes dos coletivos fazem isso conscientemente. “Alguns se aceitam mais com seus pelos, ou com a sua não monogamia, com a sua nudez. E outras ainda estão em um processo. Com esse trabalho, a gente tenta transformar essas próprias pessoas. Ajudá-las a romper os seus próprios bloqueios”, admitem.

Já as transformações na sociedade é o que eles mais buscam. “A gente quer que o trabalho chegue às famílias, nas pessoas mais conservadoras.” Eles consideram textos fundamentais, mas pensam que essa parcela social pode ser mais facilmente atingida com imagens poéticas. “Os temas até podem ser pesados, mas a gente busca uma estética leve”.
Todavia, é um equívoco falar que o Além deseja que todas as pessoas mantenham seus pelos, abram seus relacionamentos e fiquem nus. “A gente quer que cada um seja livre para ser o que quiser. Se para isso a gente precisa mostrar e reforçar esse outro lado, então vamos reforçar esse outro lado”, esclarecem. Sendo assim, o objetivo do coletivo é que ele não seja mais necessário. “Queremos que as pessoas olhem um dia e pensem ‘que idiota, um projeto sobre pelo’. Mas por enquanto isso é importante, precisa”.

Nubia relata que já está percebendo mudanças a sua volta. “Não sei se é pretensão minha, mas várias pessoas que eu conheci depois me agradecem pelo projeto Pelos Pelos. Falam que começaram a aceitar seus pelos por isso. Eu não sei qual o real alcance, mas acho que se alcançou uma pessoa já está maravilhoso.” Ela não atribui o sucesso do coletivo só aos dois parceiros, e sim a todos que participam. “São pessoas muito incríveis, que estão dispostas a mostrar o seu corpo para propor uma liberdade aos outros”, elogia.
Por Isadora Oto